domingo, 15 de fevereiro de 2009

PROPOSTA EDUCACIONAL LIBERTÁRIA

Proposta educacional libertária
Urge revolucionar toda a sociedade, subvertê-la recolocando o ser humano no cerne de todas as considerações políticas, sociais e econômicas, isto já está claro. Vejamos agora o que pode fazer o educador libertário em sua profissão para aperfeiçoar o homem e o mundo a caminho da sociedade ácrata que, estou seguro, será a tônica do terceiro milênio. Tomemos inicialmente a experiência de A. S. Neil em Summerhill. Ao contrário do que muitos pensam, não é inédita, nem se trata de "um lugar em que se brinca ao invés de estudar" menos ainda fracassou. Os jovens são recebidos naquele estabelecimento de ensino aos cinco ou seis anos de idade, ali podendo permanecer até os dezesseis ou dezessete e têm total liberdade para escolher os rumos a dar à sua própria educação. Neil deixa claro lá haver sempre professores gabaritados a preparar os jovens a todo e qualquer exame a que porventura deseje submeter-se na sociedade afluente, sendo seu desempenho naqueles casos, muitas vezes superior ao de jovens egressos de outros estabelecimentos de ensino autoritários. A impressão que se tem, ao travar contato com relatos acerca daquela "república de crianças" é a de que, por não haver ali qualquer forma de coerção, os jovens dela saem com enorme erudição nos campos de saber de seu livre interesse e, o que é mais importante, delas saem livres do medo! O processo pedagógico, com amor e como o amor precisa contemplar amplamente as esferas erótica*, lúdica e onírica de todos os envolvidos. Ora, todo o tipo de coerção é antitético tanto ao erótico, quanto ao lúdico, quanto ao onírico, antitético ao amor portanto, assim como a todo o verdadeiro e sério trabalho pedagógico. Educação sem coerção não é pouca coisa, como se percebe. Inclusive pela sua raridade no mundo atual. Talvez nisso, na abolição da égide do medo na Instituição, para os jovens tanto quanto para seus educadores, resida o sucesso deles em sua vida profissional e, o que é mais importante, em sua vida afetiva - pelo menos até que a sociedade afluente acabe por fagocitá-los também. Mas Summerhill, com toda a sua beleza, está bem longe de nós no espaço e, o que é mais grave, na ideologia. * - Deve-se ter por base ainda que todo o agir humano no mundo está impregnado de erotismo, em suas acepções científica e psicanalítica. Sublimação da erotização básica na erudição por exemplo é muito comum. Há mesmo, dentre os libertários e surrealistas quem fale em "eros-dição" em adição à estéril erudição... Passo portanto, a falar de minha experiência como professor de história, filosofia e sociologia a jovens e adultos nas redes secundária e de terceiro grau, tanto públicas quanto privadas nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Descrevo o quadro caótico-enlouquecedor que encontro e passo a fazer propostas emergenciais, embora utópicas (lembrando aqui e sempre que utopia é algo possível e atingível; trata-se, numa definição clara, de "local ou situação que não existe", AINDA. Não de uma proibição ontológica definitiva). O professor vê-se, em geral, diante do seguinte quadro: _ Salários da ordem de US$ 250 por estabelecimento em que trabalha. _ Precisa trabalhar, ministrar aulas mesmo, em pelo menos quatro estabelecimentos de ensino onde dá - uma dádiva quase que literal mesmo - aulas em cada um a cerca de dez turmas diferentes para que possa auferir rendimentos compatíveis pelo menos com sua sobrevida material. _ Cada turma tem, em média, cinqüenta alunos, sendo freqüente encontrar estabelecimentos de formação (uma deformação, isso sim!) secundária ou mesmo de terceiro grau com até cento e vinte alunos por classe! _ Os estabelecimentos de ensino, em geral, têm sua filosofia própria, sendo enormemente refratários a qualquer tipo de inovação não-ortodoxa. Percebe-se que o professor precisa lidar com mais de mil seres humanos por ano letivo, em sua maioria carentes material e/ou afetivamente nestes tempos de crise interminável, muitas vezes trazidos a estudar de maneira coercitiva, sem persuasão ou convencimento minimamente diplomático. Via-de-regra vêem-se compelidos a expressar a insatisfação para com a repressão a que se vêem submetidos pelos pais e/ou pelo estabelecimento de ensino em classe, seja fazendo estardalhaço, seja "fugindo" da situação em desenhos, rabiscos, poemas e atividades paralelas congêneres. O educador se vê, portanto, face a uma situação que, para ser classificada como meramente caótica teria de melhorar muito: onde conseguir memória suficiente para gravar os nomes de mais de mil seres humanos por ano letivo que estão, em sua maioria, passando pela fase em que mais precisam de carinho e atenção para que possam adequadamente auto-afirmar-se na vida? De que forma conseguir tempo para reciclar-se, auto-aprimorar-se e aperfeiçoar seus métodos e conteúdos se precisa trabalhar em classe freqüentemente mais de 50 (cinqüenta) horas semanais, além do tempo que fica, em casa, corrigindo e preparando aulas trabalhos e testes? De onde tirar o bom estado de ânimo que permita o transe empático, VITAL a qualquer processo pedagógico, com quarenta turmas diferentes, quase sempre abarrotadas de jovens, alguns dos quais expressando ruidosamente sua insatisfação, seu justificado inconformismo ou mesmo necessidade de auto-afirmação? Como conjugar a arte de transmitir e receber conhecimentos no processo ensino/aprendizagem entabulando interlocuções fecundas com os jovens à repressão, quase sempre necessária para conter aqueles que se manifestam de maneira inadequada? De que maneira manter permanente concentração e elevado nível intelectual e moral em classe com os diversos compromissos sociais dele exigidos por uma sociedade assim tão desequilibrada? Minha prática pedagógica, que data aí de uns doze anos quando reescrevo estas linhas, tem permitido algumas soluções emergenciais, embora esteja bem claro que o problema é muito mais amplo do que comporta este breve estudo. Há que considerar a permanente luta por melhorias salariais, através da união sindical, embora limitada e dificílima - o medo perpassa corações e mentes de colegas em situação profissional precária, a compaixão para com a situação dos educandos, que em nada ou quase nada são culpados pela situação a que os professores foram jogados - é uma das mais severas armas patronais e por aí vai - traz, contudo pequeníssimos resultados positivos no sentido de sensibilizar as autoridades governamentais para com a questão. Como trabalho com matérias bastante flexíveis em termos programáticos e as consigo tornar interessantes por si mesmas, optei por não ser nada rígido quanto a cobrança de presenças nem mesmo impor qualquer tipo de coerção nos estudos das matérias que ministro. Quem se esmera mais tem nota máxima e aqueles menos dedicados - guardados os limites impostos pelas instituições em si - recebem pelo menos o grau mínimo à aprovação, com as gradações justas entre aqueles e estes últimos. Entre meus pares, às vezes encontro incompreensão, uma vez ser quase de praxe o controle disciplinar através da avaliação, ocorrendo mesmo de a "disciplina em classe" freqüentemente constar dos itens de avaliação dos alunos, o que deploro. Em certos casos, mais severos, admoestações como "cuidado, sua atitude, não sendo você quem é, pode ser interpretada como simples descaso para com a educação..." Fato é que o índice de absenteísmo de minhas aulas jamais foi superior a 2%, sendo freqüentes os casos de jovens que trazem colegas de outras turmas ou mesmo familiares para ouvir minhas prédicas. Paralelamente a isso, os trabalhos que solicito em caráter opcional, os alunos podem ser avaliados apenas "por participação", são apresentados em profusão e, não raro, têm elevadíssimo nível intelectual, alguns até chegando mesmo a ser publicados! Sentindo-se livres os jovens produzem mais e melhor, participando sempre com grande entusiasmo e motivação. O que vou relatar não deveria ser motivo de surpresa, mas muitas vezes me pego verdadeiramente estupidificado diante da dedicação e esmero de alguns. Uma jovem aí com seus quinze anos de idade apresentou um bom trabalho, todavia com pequenas imprecisões que me impossibilitavam de conceder-lhe nota máxima. Atribuí o segundo melhor conceito possível e recomendei maior atenção para com as pequenas imprecisões que encontrei. A jovem decidiu-se a reelaborar o trabalho inteiro - e era longo - enriquecendo-o com novos aportes e me senti obrigado a atribuir-lhe a então justa e merecida nota máxima. Aos que não compreendem bem esta postura, argumento: não estaria eu, com esta atitude, sendo um repressor moral num nível ainda mais profundo que o trivial e grosseiro.

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