sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Ciências

As Ciências e os instrumentos para conhecer o mundo

Com os PCN, as definições de conceitos não são mais o ponto de partida do ensino de Ciências, e sim o ponto de chegada: as experiências, as observações, as discussões em grupo e as comparações é que permitem às crianças construir esses conhecimentos.

O que os PCN alteram no ensino de Ciências de 1ª a 4ª série?
No ensino tradicional, o ponto de partida das Ciências são as definições de conceitos. De acordo com os Parâmetros, os conceitos são o ponto de chegada. Quer dizer, as experiências, as discussões, as comparações é que vão fazer com que as crianças construam os conceitos. Essa mudança é fundamental porque, à medida que a criança constrói o caminho do conhecimento, ela o assimila de fato.
Como se aplica o construtivismo às Ciências?
A psicogênese – os estudos do biólogo suíço Jean Piaget sobre o processo de desenvolvimento cognitivo das crianças que originaram o construtivismo – é uma forma de olhar para a experiência de aprender que até então não havia sido proposta. Quando se lê a biografia de um grande cientista, como Galileu Galilei, percebemos que ele teve dúvidas, imaginou hipóteses que se revelaram erradas, teve de voltar atrás em alguns conceitos para avançar em outros. Quer dizer: a construção do conhecimento não é um caminho em linha reta. Costumamos tirar da criança o direito de errar. É importante verificar como incorporamos o erro. É preciso estar atento ao processo, às hipóteses que o aluno levantou para chegar a um determinado resultado, e não simplesmente verificar se a resposta está certa ou errada
Como se utiliza o conhecimento prévio das crianças na construção do conhecimento científico?
A criança vive formulando hipóteses sobre o mundo à sua volta. Se a professora lhe perguntar se a Lua tem luz própria, ela poderá responder que não, justificando sua resposta no fato de os astronautas não terem se queimado quando estiveram por lá. Esse tipo de formulação deve ser levada em conta. Mas o conhecimento do aluno nesse caso ainda é insuficiente, mesmo que a resposta seja lógica e coerente. A partir da formulação empírica do aluno, o professor cria um conflito. A solução do conflito entre a lógica da ciência e o conhecimento empírico do aluno representa a aquisição do conhecimento.
Qual é o valor da experimentação em Ciências?
É um procedimento fundamental na construção do conhecimento científico. No espaço escolar, não há experiência que não dê certo, mesmo quando os resultados são diferentes do esperado. Nesse caso, professor e alunos devem, juntos, procurar as causas da diferença. Também vale incentivar os alunos a colocarem em prática procedimentos diferentes do padrão e analisar em que os resultados diferiram.
O conhecimento científico não pára de crescer. Como dar conta de tudo na sala de aula?
É impossível abarcar todo o conhecimento. É preciso selecionar. O principal critério a ser usado na escolha de temas para serem trabalhados junto com os alunos é partir do contexto social e da vivência de alunos e professores. Isso facilita o diálogo com outras disciplinas e coloca nas mãos do professor um instrumento flexível para adaptar as atividades ao interesse e às características da classe. Além disso, é preciso oferecer ferramentas para que a criança desenvolva a capacidade de pesquisar sozinha. Esta é uma habilidade que lhe será útil por toda a vida.
Quais são os procedimentos que devem integrar o aprendizado de Ciências?
No estudo de Ciências, a criança deve desenvolver a observação – direta, de animais, plantas etc; ou indireta, por meio de filmes, fotos, microscópios, telescópios etc. – , a experimentação, a leitura de textos previamente conhecidos pelo professor, a entrevista, a excursão e o estudo do meio. Todos esses procedimentos são meios de obter as informações necessárias à solução de um problema. No final de um trabalho ou de um projeto, o conhecimento deve ser sistematizado para não ficar solto, perdido. A sistematizacão, isto é, a ordenação do que foi aprendido é o último degrau na constituição de um determinado conhecimento, indispensável antes de se passar a outro conteúdo, pois clareia o que foi trabalhado e dá uma visão de conjunto.
Como são tratadas as atitudes no ensino de Ciências?
Essa é uma área em que existe uma demanda constante de tomada de atitude frente ao conhecimento. É um grande engano imaginar que a ciência é neutra. Longe disso, ela é um campo fértil para os jogos de interesses. Nesse sentido, as questões relacionadas ao ambiente – um dos blocos temáticos sugeridos pelos Parâmetros – são privilegiadas. O primeiro questionamento é a crença que perdurou até poucas décadas atrás de que o ser humano era senhor da natureza, e não parte dela. A partir do entendimento da complexa rede de inter-relações entre todos os seres vivos, fica mais fácil entender o porquê de não jogar lixo na rua ou desperdiçar água. A atitude deve nascer da compreensão de sua importância, não de um discurso. O bloco ser humano e saúde também é uma parte do conhecimento que se presta à tomada de várias atitudes. Ele parte da importância que é atribuída às variações individuais e estimula uma postura de auto-respeito e de aceitação das diferenças entre as pessoas. O bloco recursos tecnológicos representa igualmente uma área em que os debates e as atitudes podem florescer, pois trata-se da discussão sobre os processos, instrumentos, aparelhos e máquinas que transformam matéria e energia em produtos necessários à vida humana, questionando os prós e os contras de cada tecnologia a partir de questões simples como, por exemplo: de onde vem a luz das casas?
O que muda na avaliação do ensino de Ciências segundo os PCN?

Tradicionalmente, a avaliação baseia-se em questionários, que muitas vezes se prendem a definições e conceitos decorados pelos alunos, sem a necessária compreensão. Utilizam-se exemplos como se fossem os próprios conceitos. Como a proposta dos Parâmetros é chegar aos conceitos depois de passar por experimentos, discussões e aproximações, a avaliação à moda antiga deixa de fazer sentido. Para a avaliação, a interpretação de determinadas situações que exijam a aplicação dos conceitos apreendidos deve ganhar espaço em relação às questões isoladas e genéricas: pode ser uma história, um texto, uma figura, um experimento ou um problema. Também muda a postura do professor frente ao erro, que deixa de ser encarado como culpa do aluno e passa a ser uma sinalização para que o professor reoriente a sua aula, criando novas situações que ajudem a criança a avançar na construção do conhecimento.
Como os PCN propõem que se aborde a questão da Ciência Aplicada, ou a Tecnologia?
Uma das sugestões é iniciar essa discussão propondo aos alunos a comparação entre os procedimentos adotados pelos homens no decorrer da História para resolver seus problemas cotidianos: como faziam para levantar grandes pesos antes da invenção da alavanca e dos guindastes; como chegaram à invenção da roda; como foram criando e aperfeiçoando meios de transporte cada vez mais sofisticados.
Os PCN também tratam da educação para a saúde?
Sim, e as sugestões dizem respeito ao incentivo e à aquisição de hábitos saudáveis. Eles insistem na idéia de que é preciso ensinar os alunos a desenvolver respeito pelo próprio corpo. E o mais importante: não se pode perder de vista que o corpo humano não é uma máquina. Ele sente, se relaciona com o que está fora dele e tem uma série de necessidades.
Temas Transvers

A prática da transversalidade

Os temas transversais representam a maior das novidades propostas às escolas pelos PCN. Cada um deles apresenta questões urgentes da sociedade brasileira que complementam os conteúdos escolares. Tratam de ética, saúde, meio ambiente, orientação sexual e pluralidade cultural.

O que são os temas transversais?

Eles representam a maior das novidades propostas às escolas pelos PCN. Cada um deles apresenta questões urgentes da sociedade brasileira que precisam ser discutidas, e cujos conteúdos passam por todas as áreas, transversalizando as disciplinas convencionais. São questões que complementam os conteúdos escolares e referem-se a ética, saúde, meio ambiente, orientação sexual, pluralidade cultural — os chamados temas transversais. Eles recebem essa definição porque não são disciplinas a mais no currículo escolar, nem se limitam a uma determinada área do conhecimento. Os temas transversais implicam não só a sua discussão por parte dos professores, como a adoção de atitudes coerentes com a educação centrada no exercício da cidadania. Saúde e meio ambiente costumam ser trabalhados com mais facilidade, pois representam linhas de pensamento construídas e aceitas socialmente. Para muitos, a orientação sexual é um tabu, enquanto a ética e a pluralidade cultural deixam muito mais à mostra o modo como o educador pensa e age.

Qual é a importância dos temas transversais dentro dos Parâmetros?

O conceito de tema transversal surgiu na Inglaterra quando o currículo mais fechado do mundo começou a abrir espaço para outras concepções de educação, como a idéia de que o conhecimento pode ser construído por meio de atividades. Da observação dessas experiências surgiu a percepção de que existem temas que permeiam os conteúdos das várias áreas do conhecimento. Os temas transversais são exatamente isso.

Os temas transversais podem estar, de fato, presentes em todas as disciplinas?

Sim. Cada professor deve olhar para o seu ciclo e procurar os objetivos convergentes. O ideal é que a escola estruture o seu projeto educativo, com a participação de todos os professores. Também seria ideal que o professor fosse vinculado a uma determinada escola, isto é, que estivesse totalmente comprometido com o projeto da "sua" escola e não precisasse se dividir em várias instituições. Quando o currículo é montado sobre um projeto consistente, os temas transversais surgem naturalmente, pois são os eixos que levam à formação geral do cidadão. Por isso, eles não podem estar nas mãos de apenas um professor, mas devem passar pela postura coerente do conjunto de profissionais da escola.

Os temas transversais exigem uma maior integração entre os professores?

Sim. Os temas transversais obrigam os professores a se colocarem no lugar do outro. Esse outro pode ser tanto o aluno quanto o professor de uma outra área, ou até mesmo os demais profissionais da escola, desde os serventes até a diretora. Por exemplo: o professor não aceita um trabalho entregue com atraso, mas não marca prazo para devolver as provas aos alunos. Claro que se o trabalho não fizer sentido para a criança, ela vai entregá-lo só porque tem medo de tirar nota baixa. O papel da escola é coordenar e compatibilizar a construção do conhecimento com a realidade cotidiana, e os temas transversais são um instrumento privilegiado para isso. O professor tem a tendência de achar que vai ter de ensinar a sua disciplina e mais os temas transversais. Não é nada disso. Os temas também levam os professores a fazerem parcerias, para que um não repita o que o outro está ensinando. O trabalho deve ser feito em equipe: é importante que haja cobertura dos demais professores. Quando isso não acontece, o aluno muitas vezes consegue distinguir entre quem está realmente interessado em ajudá-lo a descobrir, a aprender e a crescer, e quem não está. Mas nem sempre isso acontece e o professor bem-intencionado acaba pagando pelos demais. As equipes devem ser co-autoras dos projetos das escolas.

Quais são os fundamentos dos temas transversais?

Respeito, diálogo, justiça e solidariedade devem estar presentes nas relações que se desenrolam na escola o tempo todo. Estes são os fundamentos da educação e dos temas transversais. A escola foi criada para dar educação formal ao cidadão. A sua função é socializadora. Por isso, é importante que não só os professores, mas todas as pessoas que trabalham na escola tenham uma postura coerente. Se a merendeira atira o lanche da criança de qualquer jeito, ela não está dando um bom exemplo de respeito mútuo. É uma questão ética. Nesse sentido, a direção escolar tem um papel importante, pois a maneira como diretores e supervisores tratam os professores é reproduzida na relação com os alunos.

Os temas transversais levam a um maior envolvimento com a comunidade?

Sim. À medida que a escola incorpora as discussões que estão agitando a comunidade, automaticamente, quem está ao redor sente-se tocado, identificado e começa a participar. Para que isso aconteça, é preciso que a escola como um todo tenha um projeto educativo que contemple a comunidade.

A idéia de sempre partir do conhecimento prévio dos alunos também é possível no caso dos temas transversais?

Sim. Aliás, isso vale também para o professor. Isso mesmo, os professores também possuem conhecimento e experiência adquiridos em anos de prática de sala de aula. No entanto, eles geralmente esquecem esse procedimento em relação a seu próprio trabalho. Por exemplo, é comum ver os professores com um caderno em branco no planejamento do início do ano. Onde ficaram as anotações, as experiências anteriores? É preciso registrá-las para que sejam usadas. Os próprios documentos dos PCN devem ser material de consulta  quando surgir uma dúvida, o professor vai lá e relê. Por isso, devem ser riscados, anotados, questionados.

Há mais de uma forma de trabalhar os temas transversais?

Sim. Existem três vertentes para o trabalho com os temas transversais. Em primeiro lugar, o professor deve incluir em seu planejamento de aulas o levantamento de questões relacionadas aos temas transversais. A segunda forma de trabalhar é por meio de projetos. Os projetos são questões mais amplas que envolvem a participação de várias disciplinas. Um jeito interessante de começar a montar um projeto é fazer um mapa conceitual ou semântico. A partir do tema escolhido, colocam-se no papel os vários aspectos que serão abordados, mostrando as relações entre eles. É uma forma de ter clareza quanto ao que se pretende com o projeto. A terceira linha de trabalho é a atenção permanente. O professor precisa estar atento o tempo todo para perceber a necessidade de agir em momentos críticos. Por exemplo: se ele identifica uma atitude racista entre seus alunos, deve interferir e levantar o assunto imediatamente. Também deve se auto-observar para que sua postura seja coerente com seu discurso.

Como tratar a orientação sexual para as crianças de 1a a 4a série?

Na 4ª série, isso pode aparecer naturalmente como tema na sala de aula, quando as crianças estudam o corpo humano. Mas a referência dos Parâmetros é clara: a orientação sexual deve ir muito além da anatomia. Afinal, a sexualidade atravessa mesmo a vida da escola com todo o seu potencial explosivo. Os PCN, porém, se propõem a facilitar a vida do professor nesse aspecto.