segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Língua Portuguesa

O trabalho com textos
Para criar escritores e leitores competentes, o professor precisa levar para a sala de aula textos diversificados e de qualidade, desde a alfabetização. O desafio é colocar as crianças diante de situações reais de comunicação.
O que os Parâmetros propõem para o ensino de Língua Portuguesa?
O texto e a diversidade textual devem estar no centro do trabalho de alfabetização, de acordo com os PCN. É uma opção muito mais produtiva do que a do método tradicional, baseado no uso das cartilhas. A cartilha tem dois grandes problemas: o método é mecânico e desvinculado do cotidiano da criança. Por estar distante da realidade, o aprendizado tradicional da leitura e da escrita acaba perdendo o significado para as crianças, especialmente as das classes menos favorecidas, que têm um acesso mais restrito aos livros, jornais e revistas. A inadequação do método de alfabetização pode ser apontada como uma das causas dos elevados índices de repetência nas primeiras séries do ensino fundamental. A idéia dos PCN é a de que as capacidades de leitura e escrita são fundamentais para o exercício da cidadania e de que não é possível a criança concluir esse nível de ensino sem dominá-las completamente.
No caso dos conteúdos, o que a proposta sugere?
Os Parâmetros elegem o falar e o escutar como capacidades básicas a serem desenvolvidas, ao lado do ler e escrever, no ensino fundamental. Essas capacidades precisam ser desenvolvidas sempre em situações de aplicação verdadeira e significativa para os alunos. Isso quer dizer que é preciso trazer para a sala de aula o conhecimento do mundo, ou seja, que os alunos devem entrar em contato com o maior número possível de exemplos de escrita: nomes das placas de rua, automóveis, produtos nos supermercados, títulos das revistas nas bancas de jornais. São textos que têm uma utilidade real e um significado social.
Por que alfabetizar com textos é melhor?
Quando se parte de textos que dizem respeito à vida da criança, ela se sente estimulada a avançar em suas descobertas. O texto se transforma em um desafio, e não em uma ameaça. Compreendê-lo tem gosto de conquista. Assim, o processo de alfabetização vai se construindo naturalmente, a criança vai aos poucos ampliando o seu vocabulário e a compreensão do funcionamento da língua como estrutura viva, e não por meio de uma série de regras gramaticais. Durante muito tempo acreditou-se que o domínio do be-a-bá fosse indispensável para o ensino da língua. Hoje se sabe que o aprendizado da escrita alfabética não garante a compreensão e a produção de textos em linguagem escrita. Ensinar a escrever é muito mais tranqüilo no convívio com textos verdadeiros, em contextos nos quais leitores e escritores verdadeiros são confrontados com situações reais de comunicação.
O que significa o texto como unidade de ensino?
Até pouco tempo, a unidade básica do ensino de Língua Portuguesa era a letra ou, no máximo, a sílaba. Ensinava-se a juntar as sílabas para formar palavras, juntar palavras para formar frases e juntar frases para formar textos. Estes textos serviam apenas para "ensinar" a ler — eram textos para a escola, e não para a vida. Refletiam muito mais uma reunião de frases do que o conteúdo de uma idéia, uma função social. Mas se o objetivo é fazer a criança produzir e interpretar textos, o texto real e de qualidade deve nortear todo o trabalho em sala de aula. A idéia é que os professores fujam de textos simplistas que subestimam a inteligência infantil.
Qual é o papel da leitura nas classes de alfabetização?
De acordo com os PCN, a leitura é uma ferramenta essencial do conhecimento, pois a possibilidade de escrever bons textos tem origem na leitura. Também nessa questão, os Parâmetros reforçam a idéia de que não são quaisquer textos que vale a pena levar para a leitura em sala de aula. Mesmo tratando-se de crianças pequenas, que estão iniciando a alfabetização, os textos muito simplificados e facilitadores não despertam o interesse pela leitura. O melhor é que sejam interessantes, emocionantes, intrigantes. Afinal, durante um bom tempo o professor é o mediador e o animador da leitura em sala de aula.
O que muda no ensino de Língua Portuguesa, após a alfabetização?
Ainda hoje, muitos professores acreditam que ensinar Português é ensinar gramática. Os PCN vão contra essa idéia. De 1ª a 4ª série, o objetivo principal é formar leitores e crianças produtoras de textos. Ao final da 4ª série, espera-se que o aluno conheça ortografia e gramática, não como um amontoado de regras, mas como resultado da prática efetiva de leitura e escrita.
Os Parâmetros sugerem, por exemplo, que os professores montem projetos de leitura em sala de aula. Como começar?
Lendo e escrevendo junto com os alunos, propondo exercícios de reescrita dos textos lidos e correções em grupo dos erros cometidos. Assim, a criança descobre a língua a partir das questões que surgem na montagem dos textos. Vale lembrar que a quantidade de leitura e de escrita não é a mesma. Lemos muito mais do que escrevemos.
Quais são as dificuldades dos professores para seguir os PCN nessa área?
São dificuldades de ordem teórica, pois os Parâmetros fazem referência a uma série de discussões relativamente recentes que aconteceram na Lingüística. Muitos professores não tiveram acesso a essas descobertas, porque se formaram há mais tempo ou porque estudaram em faculdades que não deram atenção a esses novos conhecimentos. A situação é mais crítica de 5ª a 8ª série, pois nos últimos anos os sistemas de ensino investiram muito mais na formação dos professores de 1ª a 4ª série, em função dos altos índices de evasão e repetência registrados nessa fase.Em geral, o que aparece na escola ainda hoje é o velho esquema de emissor>código >receptor. Mas atualmente sabemos que é preciso muito mais do que um código comum para estabelecer comunicação, que esta só faz sentido se estiver inserida numa perspectiva histórica e social.
Fazer cursos de aperfeiçoamento a respeito dessas novas teorias é suficiente?
Em geral, não é. É preciso saber fazer a transposição didática da pesquisa, do contrário acaba-se caindo em certas armadilhas que apresentam o conteúdo de cara nova, enquanto a essência continua a mesma. Muitos livros didáticos até incorporam a diversidade textual — mostrando exemplos de propagandas, notícias de jornais, contos —, mas esse material acaba recebendo um mesmo tratamento pasteurizado, como se seu uso e sua finalidade fossem idênticos. Deve haver procedimentos de leitura mais complexos. Caso contrário, o leitor cai em um emaranhado de textos e o professor transmite a idéia de que boa leitura é aquela que se faz do começo ao fim e em que todas as palavras desconhecidas são procuradas no dicionário. É preciso explorar os diferentes modos de ler e também as diversas modalidades de escrita. O gênero e a finalidade de um texto são o que determina o uso de um certo estilo de redação. Uma carta para um amigo, por exemplo, é muito diferente de uma carta formal escrita para se pedir emprego. Assim como ambos os textos não têm nada em comum com um poema ou um texto argumentativo.
Mas a criança deixa de aprender gramática?
Existem várias gramáticas, embora a única escrita seja a da língua padrão. A pessoa que fala eu vou, tu vai, ele vai, nós vai está seguindo uma outra regra, que por sinal é muito parecida à do inglês, em que apenas a terceira pessoa do singular é diferente. A língua culta deveria ser ensinada como uma língua estrangeira, no sentido de que não se aprende uma língua esquecendo outra. Além disso, os PCN trabalham com a idéia de que escrever e falar são coisas diferentes, e de que não existe maneira certa ou errada de falar. Tanto que propõem a discussão em sala de aula dos preconceitos que há em torno das variedades, ou variantes, lingüísticas.
Meios de comunicação, como a televisão, atrapalham a criação de um hábito de leitura?
Não. Também é possível concluir, com os Parâmetros, que cinema e televisão não inibem o hábito da leitura. Claro que a existência desses veículos mudou a relação com a leitura. Por isso, é importante dialogar com esse meios. Indicar livros que tenham sido adaptados para o cinema ou a televisão é uma experiência rica e interessante, pois possibilita comparar diversas linguagens. O gosto pelo cinema não impede que ninguém seja um bom leitor.
Que outros procedimentos, além das linguagens oral e escrita, devem ser praticados?
Procedimento quer dizer saber fazer. Nesse sentido, existem técnicas que ajudam a tornar o próprio processo de ler e escrever mais fácil. Quando o aluno ainda não lê com autonomia, o professor deve ler junto com ele. Grafar e revisar os próprios textos é uma habilidade que perdurará pela vida afora. Saber falar, expor seu ponto de vista, argumentar e debater são capacidades que se adquirem e se aperfeiçoam com a prática.
Como os temas transversais são trabalhados em Língua Portuguesa?
Tudo começa com a constatação das variantes lingüísticas, ou seja, não existe uma única língua portuguesa, mas uma multiplicidade de modos de falar que convivem e refletem modos de viver, usos e desautoriza a linguagem que a criança traz de casa. É preciso combater o preconceito lingüístico da mesma forma que se combatem o preconceito racial, sexual, etário ou religioso. Ninguém pode ser discriminado por falar de um jeito diferente. Aliás, não é corrigindo o que não está de acordo com a norma-padrão que se aprende a falar e escrever segundo essa norma.O aprendizado acontece quando a criança tem acesso a livros para ler e quando ela se passa a participar de novos espaços sociais que exijam habilidades lingüísticas mais amplas. É preciso muito cuidado na hora de resgatar a linguagem que a criança traz de casa. Nada de querer corrigir o falar do Chico Bento. Trazer este exemplo para depois apresentá-lo como errado não ajuda nada. Pelo contrário, acaba reforçando o preconceito. Respeitar a pluralidade lingüística é respeitar a pluralidade.
E quanto aos demais temas transversais?
Não há como trabalhar a linguagem por meio de textos sem considerar outros temas. Para que as sutilezas de um texto se revelem, não basta entender o que está escrito, mas por que determinado texto foi escrito de uma ou de outra maneira. É o modo de ir revelando a postura ideológica que está por trás de cada texto. É a leitura crítica. O grande perigo nas discussões sobre os temas transversais é a língua portuguesa acabar se tornando coadjuvante. Por exemplo, numa discussão sobre meio ambiente, a desconstrução dos textos para verificar quais são os interesses a que eles estão servindo é o papel da língua. Não se pode deixar a discussão para as outras áreas e o relatório para o Português. Aliás, todas as áreas têm de se envolver com a leitura escrita. Ela é uma competência básica para todo cidadão, que deve saber que a linguagem nunca é neutra.
Qual deve ser a postura do professor?
Também no caso de Língua Portuguesa, é preciso respeitar o conhecimento anterior da criança, valorizar esse conhecimento e trabalhá-lo em situações reais de uso da escrita. Além disso, se o objetivo é construir uma comunidade de leitores, o professor precisa abrir mão da idéia de que controla tudo. O que passa pela cabeça de uma criança enquanto ela está com um livro diante de si pertence a ela. Em uma classe com 25 crianças, é possível que haja 25 interpretações diferentes para um mesmo texto. E elas precisam ter essa liberdade, sem que o professor se preocupe em fazê-las aceitar a interpretação dele, que considera a mais adequada.
Como trabalhar os conteúdos de Língua Portuguesa no pós-alfabetização?
Muitos professores hoje têm dificuldade em organizar os conteúdos de Língua Portuguesa no pós-alfabetização, pois ficam confusos sobre o que e como trabalhar, já que não existe mais a ênfase no ensino da gramática. Mas o que eles precisam ter claro é que os conceitos gramaticais são apreendidos por meio da prática dos procedimentos de ler e escrever. Para formar escritores competentes, é preciso apresentar à criança bons autores, em diferentes gêneros. O aconselhável é sempre mesclar os gêneros para não excluir os alunos que não se adaptam a um determinado gênero, mas se dão muito bem nos demais.
O que muda na avaliação de Língua Portuguesa com os PCN?
Eles propõem que se avalie o processo de aprendizado, e não um ou outro resultado isoladamente. Existe um grande risco de que o professor crie a expectativa de que o aluno produza textos tão bons quanto os que lhe foram apresentados como modelos. Uma maneira de evitar esse risco é pedir aos alunos que produzam textos sempre que forem iniciar um conteúdo novo. Assim, o professor faz um diagnóstico do que os alunos já conhecem. Depois de trabalhar com bons autores, uma nova produção poderá avaliar o quanto as crianças avançaram. Dessa forma, é possível ser mais justo e objetivo.
Amanhã matemática.....BOA NOITE