sábado, 21 de fevereiro de 2009

História

Histórias que a História revela
A História trabalha com a temporalidade ou a relação do ser humano com o tempo, os sujeitos e os fatos históricos. Mas os PCN alertam: o tempo não é apenas linear, os sujeitos não se limitam aos grandes personagens e os fatos históricos não se restringem aos acontecimentos políticos.
Quais são as temáticas específicas desta disciplina?
A História trabalha com a temporalidade, isto é, a relação do ser humano com o tempo, os sujeitos e os fatos históricos. Os PCN abrem novas perspectivas ao lembrar o professor de que o tempo não é apenas linear – hoje, amanhã, depois de amanhã, no ano 2001, 2002 etc. – ; que os sujeitos históricos não são apenas os grandes personagens e que os fatos históricos não se restringem aos acontecimentos políticos. Para tanto, é preciso ter um repertório de história cultural, história da mulher, da criança etc. O primeiro passo é saber que existem outras histórias a serem exploradas. É preciso confrontá-las com o mundo real, com o cotidiano das crianças e dos jovens. A cada momento é preciso fazer a ligação entre passado e presente.

Quais são as maiores dificuldades na aplicação dos PCN no ensino de História de 1ª a 4ª série?


Uma das grandes dificuldades é a falta de tradição no ensino de História. Durante muito tempo, os professores ensinaram Estudos Sociais, uma disciplina que se apoiava no nacionalismo e em datas cívicas, como a independência e a proclamação da República. Eram fatos isolados e não se dava importância ao processo histórico. Para o professor de 1ª a 4ª série que tem formação em magistério, às vezes é difícil entender o que a disciplina de História tem de específico. Uma idéia para superar essa dificuldade é estabelecer um diálogo e formas de cooperação com os professores de 5ª a 8ª série.
Como se aplica o construtivismo no estudo de História?


Essa é outra dificuldade. Muitos professores de 1ª a 4ª série não conseguem aplicar a postura construtivista a essa disciplina. Desde os anos de 1970, uma maioria expressiva de professores interpretou e concluiu que o ensino construtivista de História devia concentrar-se nos chamados círculos concêntricos. A idéia era a de que as crianças pequenas só entendem o que é concreto — e esse conceito foi entendido literalmente.Assim, nas duas séries iniciais, a criança estudava sua identidade, sua família, a escola e o bairro. Na terceira série, ela estudava o município e, na quarta, o Brasil. Isso acabou consolidando algumas temáticas sem questionamento. Por exemplo: a imigração se transformou em um tema tradicional, sem considerar a realidade das crianças. Os professores precisam relativizar, pois numa classe na periferia de São Paulo, os pais das crianças não vieram da Itália ou da Alemanha, mas provavelmente do Nordeste e de Minas Gerais. Se o professor esquece a origem das crianças e só enaltece o trabalho dos imigrantes europeus, seus alunos ficam mudos, murcham, sentem-se desvalorizados.Felizmente, esse quadro pode ser alterado. O próprio professor pode servir como referência, caso seu pai tenha vindo de Pernambuco, ou sua da mãe, de Goiás, por exemplo. Se a mãe da criança é sozinha, isso não deve ser motivo de vergonha para ela. Essa é a realidade de uma grande parte da população brasileira. É a história social brasileira. Isso é partir da realidade dos alunos, segundo uma postura construtivista.
O que deve ser privilegiado em História de 1ª a 4ª série?


Os Parâmetros detalham dois grandes eixos temáticos – a história local e do cotidiano, e a história das organizações populacionais. A história do cotidiano pode incluir, por exemplo, o alimento que está sobre a mesa e que tem uma referência cultural. A criança precisa desenvolver a capacidade de olhar a mesa e reconhecer a origem da comida que está sobre ela, qual é o seu significado. A história do cotidiano é muito importante, pois é esse o espaço que a criança e o jovem têm para mudar, para adotar uma determinada atitude. É no dia-a-dia que eles podem aprender a valorizar e proteger o meio ambiente no seu entorno. É no cotidiano que vão aprender a valorizar a mãe lavadeira, por exemplo, que luta para criá-lo.
Como se trabalham os eixos temáticos?
O jeito mais fácil de tratar os eixos temáticos é por meio dos subtemas propostos nos PCN. Seja qual for o tema, o fundamental é que o passado só faz sentido na relação com o presente. Mas a idéia de trazer os problemas para o presente às vezes faz com que os professores se limitem aos dias de hoje. Por exemplo: para tratar a questão da cidadania, é preciso pesquisar quando e onde ela surgiu, como era entre os gregos, como se foi transformando ao longo da história. O ponto é entender o mundo atual dentro da temporalidade. O professor precisa fazer escolhas, ter autonomia como educador e como professor de História.
E como se trata a história local?
Um exemplo de tema de história local é a realidade dos povos indígenas. É o resgate da história dos moradores locais há 200 ou 500 anos. Como é a relação da comunidade em questão com os povos indígenas hoje e como era no passado? Esse tema aborda a temporalidade e é também um modo de apresentar a diversidade étnica e cultural do povo brasileiro. É importante lembrar que no Brasil existem 170 diferentes línguas e que os povos indígenas são os donos de um imenso patrimônio cultural. Esse é um jeito de fazer as crianças conhecerem a nossa identidade e se sentirem donas dessa herança.
Como os PCN encaram a questão dos nomes e datas tradicionalmente decorados em História?
Muitos dados permanecem, pois servem como balizas para a compreensão do mundo contemporâneo. O que muda é a relação com eles. A memória é usada em diferentes situações na vida. Por exemplo, quando o aluno vir um quadro do pintor holandês Frans Post, vai perceber que aquele tipo de pintura é diferente da atual e que traz uma série de referências de sua época. O fundamental é saber transferir o conhecimento adquirido para a vida diária.As datas servem para nos localizarmos no tempo, entender o que veio antes e o que veio depois. Uma proposta interessante é o trabalho com as durações, quer dizer, não é a data sozinha, mas o período que um determinado evento ocupa no tempo. Algumas durações são curtas, outras mais longas, outras longuíssimas.Em que o tempo de duração de um evento influencia a socidade? Por exemplo, a escravidão no Brasil durou mais de 300 anos. Esse tempo produziu efeitos na sociedade brasileira que perduram até hoje. É importante perceber que há várias dimensões de tempo simultaneamente. Por exemplo: o presidente muda a cada quatro ou oito anos, mas todas as trocas estão dentro de um mesmo sistema econômico, o capitalismo, que já dura mais de 400 anos.
Quais são as fontes para o ensino de História?
É importante ensinar a criança a manusear vários tipos de documentação. Cartas, jornais, documentos pessoais, entrevistas são fontes para o ensino de História. No trabalho com a memória, a pesquisa com pessoas mais velhas na comunidade ou na família e o levantamento de dados em jornais antigos são duas ferramentas bastante ricas. Esses procedimentos podem ser usados, por exemplo, para resgatar a história da água. Onde se pegava água há 50 anos, como as mulheres lavavam a roupa. Pessoas muito velhas podem contar a história da cidade.A leitura de imagens também é muito importante. Por isso, deve-se valorizar o contato com vídeos e obras de arte. Na realidade, o professor ensina o aluno a pesquisar, uma atividade que ele exercitará a vida toda.
Como a História trabalha os temas transversais?
Em História, os eixos temáticos são os próprios temas transverais, que na verdade representam os grandes temas do mundo de hoje. De 1ª a 4ª série, a história local deve ser confrontada com a história de outros lugares. Assim, pesquisar as migrações no Brasil dentro do eixo de deslocamentos das populações leva à discussão sobre a formação da identidade e da cidadania. É a própria pluralidade cultural. A ética, por seu lado, permeia as relações entre os diversos povos que se encontram em um determinado lugar e isso deve ser lembrado. Outro exemplo: o estudo da história da água – como era o abastecimento antigamente; como é hoje; o que a água representa para o mundo atual – também pode levar a um debate ético sobre a economia de água ou sua importância para a saúde humana.
O que a criança precisa saber da História?
Uma habilidade básica é aprender a se localizar no tempo e compreender que o tempo não é uma categoria absoluta, mas construída socialmente. Tanto que além do nosso, existem outros calendários e outras formas de contar o tempo. É preciso perceber a dimensão social e cultural dessas construções. Dessa forma, os fatos políticos e os grandes personagensdeixam de ser o tema dominante da História, que adquire a perspectiva de um processo em construção permanente.
Como deve ser o uso do livro didático?
Mesmo que os livros sejam ruins, eles podem ser aproveitados. Apresentando vários deles, é possível mostrar que há opiniões diferentes, vinculadas a diferentes posições ideológicas. Por exemplo, se o professor estiver tratando da Revolta de Canudos, pode confrontar os livros com notícias de jornais. O livro também pode ser uma fonte para o trabalho com imagens, como as reproduções de obras de arte.
Como as atitudes são trabalhadas em História?
As atitudes partem de uma perspectiva do cotidiano, pois é no dia-a-dia que as pessoas se posicionam. A História proposta pelos PCN é o conhecimento na relação com a vida das pessoas. É este aprendizado significativo que vai gerar umadeterminada atitude. Nesse sentido, é importante escolher temas que possibilitem a ação no mundo, problemas que têm de ser enfrentados. Voltando ao exemplo da água, economizá-la é fundamental para que não falte para ninguém.É uma questão de respeito pelo outro, de cidadania. Outra possibilidade é refletir como se constrói uma identidade latino-americana a partir da comida. Qual é a diferença entre batata chips e um prato de arroz com feijão? A quem interessam os alimentos industrializados? Que escolhas podemos fazer diante desses alimentos?